o cão constante

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Os peitos roubados

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Respira o dizer que estas mesmas águas nem sempre foram doces e amenas. Vagueia o acreditar que em alturas em que o bréu engolia as serras e vales, o demónio subia à aldeia, forjado de garras de milhafre e zumbido de corvo, e detinha-se diante dos casarios onde habitavam as mulheres férteis da localidade, com o destino de lhes furtar os seios arredondados, forrados a carne e leite infinitamente branco. Asseveram que com o peito saqueado às mulheres, alimentava a orda de séquitos, moradores nas profundezas das rochas que formam os penhascos circundantes, para assim construir um exército tal que traria a penumbra definitiva à aldeia.

Aterrorizados e exaustos de verem as suas mulheres e filhas roubadas de parte da sua feminilidade, os homens iniciaram uma espera ao demónio. Assim que a besta se erguesse do fosso sem fim por onde dá entrada na terra, armados de todos os utensílios a que tinham mão, os homens atacariam o cornudo de rompante, sem declaração, sem guerra antecipada. E assim fustigaram a carne negra do monstro, cortando e perfurando até mais forças não terem. O demónio, ornamentado com chifres de bode, sustentava-se nas paredes do buraco, apenas esperando o fechar das feridas, para assim cair sobre todos os homens da aldeia e devorar-lhes a alma atravessada. Mas a criatura ogre não reparara no riacho que os homens lá no alto desviaram do percurso, e que iria incidir exactamente sobre o fosso onde padecia. Só escutou o rugir das águas que se soltavam numa fúria desenfreada, formando uma cascata tal que ainda hoje perdura na existência, empurrando a criatura para o fundo mais fundo, ininterruptamente, levando todo o sal das águas de então às feridas e ranhuras feitas pelo homem na carne do bicho infernal, que ainda hoje o tortura e aprisiona bem nos confins do poço inundado, submergido pela força das águas salgadas que todo o seu corpo pétrido absorveu.

Os peitos, esses, que violentamente foram roubados, nunca foram retribuidos, por obra e manha do demónio salgado. Ainda hoje, as mulheres e raparigas da aldeia, de peito raso e áspero, nadam as águas do doce rio incessantemente, na ânsia da procura do que lhes pertence e nunca devolvido fora.

Written by Luís Miguel Martins

Quarta-feira, 18 Agosto, 2010 at 03:11