o cão constante

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Parto

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Saliente como uma grande batata no interior de uma pequena formiga, a barriga da parturiente Albertina era um colosso nunca antes visto. A família, agregada em seu redor, com os olhos pasmados de incredulidade, ditava sentenças várias, seriam trigémeos, talvez quadrigémeos, senão mais. Que seria um parto arriscado, todos sabiam e ninguém dizia, mas sendo a maternidade um edifício que longe e dispendioso ficaria, e como nenhum dos Timóteos conhecera outra maternidade que a das mães que os entregaram à terra, mais razões não se procuraram para o disposto, chamou-se a parideira e o assunto ficou arrumado sob a almofada.

Como todas as parideiras, pelo menos não as imaginamos de outro modo, Lucrécia era uma figura avessa a todas as convenções. Falas curtas e rudes, andar desnivelado nas ancas, marcando passo a cada serviço que até aparentava não haver urgência na ida, e um corpo de elefante insuflado que parecia aumentar a cada parto que dava mão, como se absorvesse através da carne o inchaço esbaforido das panças das mães. Assim que mãos deitou sobre a barriga de Albertina, juízo breve logo fez, que só um bebé era e que fêmea seria. Por todos a mesma evidência pairou, que sendo apenas um único bebé, fêmea ou não fêmea, que isso importava, por certo teria tamanho tal que mais valeria abrir já a mãe, como se porca fosse, que até os guinchos já os tinha há dias e noites. Que a mãe seja porca ou não, que se me dá, que a faca não a abre isso sei eu. Mas já que de varas estamos falando, que me tragam banha de porco fresca, assim disse a parideira, assim se fez. Mergulhou as mãos no alguidar a transbordar de gordura, para depois se colocar entre as pernas de Albertina, as quais brutamente afastou com duas cotoveladas. Agora respire fundo, que a criança não sai mas entro eu, e, dito isto, enfiou ambas as mãos de uma só vez no ventre da mãe sofrida, e sem que o mais leve indício de couro cabeludo se vislumbrasse, untou com banha a futura criança ainda no interior do útero da mãe. Esperamos duas horas, que nem antes nem após vai a bebé nascer, rematou de seu mau feitio. E duas horas decorrentes, a mãe bufou os ares que tinha que bufar e pariu a pequena Francisca, feliz a família.

Limpava Lucrécia a banha de porco misturada com sangue e placenta que envolvia a bebé, quando num sobressalto a sua mão, embrulhada no lençol sujo que entretanto soltara, se deteve sobre o peito e a barriga da criança, e absorta, que nunca em sonhos tal lhe ocorrera, com dezoito pequenas protuberâncias entre os dedos gordos da mão anafada, anunciou, a todos quantos presentes estavam no fechado quarto, que a mãe seja porca ou não, já o disse, tanto me aquece, mas que tenho eu dezoito tetas na mão, isso tenho.

Written by Luís Miguel Martins

Quinta-feira, 19 Agosto, 2010 at 00:14